Por esta altura assistimos na nossa região a diversos festivais gastronómicos em que a lampreia terá lugar central. Este fim de semana são esperadas mais de 7000 pessoas em Penacova, no próximo será a vez do Festival do Arroz em Montemor-o-Velho, em que a famosa iguaria tem também destaque.
Amanhã termina o Festival Gastronómico de Caça e Pesca da Lousã. Um pouco por todo o país, sucedem-se as feiras de Enchidos e de Fumeiro. Em Janeiro já tivemos o Festival da Chanfana, em Vila Nova de Poiares. Mais lá para o Verão aparecem os festivais de marisco.
Esta é uma pálida amostra da vivência de um país de grande riqueza e diversidade cultural que se expressa numa gastronomia ímpar da qual nos orgulhamos como povo e que têm nos produtos tradicionais, a marca distintiva da sua diferença e da sua qualidade, país felizmente apegado à sua tradição, embora cada vez mais pressionado a ceder, pelos grandes interesses económicos.
Grandes interesses que encontraram fiéis aliados nas instituições do poder, seja a partir dos ditames da União Europeia, seja nos órgãos de poder nacional, cada vez mais afastados da vida, do sentimento e das aspirações das populações.
Os produtos regionais são hoje, particularmente para aquelas regiões que enfrentam graves problemas de desertificação e declínio económico e social em função de uma política que subalternizou o mundo rural e o seu principal suporte de vida - a agricultura -, um dos últimos redutos para garantir um modo de vidas das suas populações.
Os produtos regionais, que são uma das marcas da nossa identidade como povo, são não só um património cultural que é necessário defender e valorizar, como são um suporte complementar à viabilização do que resta da nossa agricultura e do mundo rural, mas também de muitas comunidades ribeirinhas que fazem da transformação dos produtos da pesca um complemento às suas actividades no mar ou no rio. Sabemos que os produtos regionais não são a panaceia para todos os males da nossa economia regional, mas não apagamos o seu contributo para o desenvolvimento económico e social de pequenas comunidades.
Ora se pegarmos no exemplo da lampreia e destes festivais, teremos que referenciar os homens que, de madrugada vão lançar as redes ao rio na esperança de sair alguma. Aqueles que, vivendo no fio da navalha, encontram nestas espécies uma tábua de salvação para os magros orçamentos. Que respostas terá para dar, o dono de um restaurante que adquire a lampreia a estes homens, se um agente da ASAE, cumprindo escrupulosamente os regulamentos da União Europeia, que o Governo português não regulamentou, lhe perguntar pelas guias, pelo controle disto e daquilo, pelos 300 documentos que teriam que acompanhar um simples ciclóstomo? Perdão, o Governo até regulamentou, mas apenas nos aspectos das sanções a aplicar, acriticamente, sem acautelar as especificidades regionais.
Não está aqui em causa a necessidade de salvaguardar aspectos essenciais da higiene e segurança alimentar. Mas convenhamos que a inoperância de quem, ao serviço dos grandes interesses agro-alimentares, não previu as excepções para os produtos tradicionais, e o excesso de zelo de quem aplica a lei a régua e esquadra, põem em causa a sobrevivência destas tradições e das próprias comunidades.
João Frazão escreve no JN, semanalmente, ao sábado
jfrazao@pcp.pt